Cais da Língua


Para o Cão, Deus

Para o colchão, um corpo

Para o alvoroço, polícia

Para a vida, perdão

Para o bordão, comédia

Para o charlatão, cadeia

Para a ceia, peru

Para a velha, dentadura

Para a criança, brinquedo

Para o dedo, unha

Para o quinto dos infernos,

Você e as perguntas.


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Cais da Língua

Um jazz não me cala mais a boca

Nem uma dose de cachaça me solta à língua

Mainha disse: vai-te querido

Ainda que triste

Diz que não foi por mal

Nem que seja fatal, essa tal acusação

Diz que não é a pedra surda que rolava

Nem aquela suja, que perambulava

Diz que eu não fui te ajudar

Porque cansada estou

Da vida, das feridas

Da esquina que me faz passar

Pela força de vencer

Seja de dia ou noite

Não quero oferecer

Mandinga pra orixá

Nem comida pro ifá

Não quero me perder

Ainda que venha há morrer um dia

Saiba que fui feliz

Não triste, apesar de fria

Saiba que amei tudo como se fosse um só

Um só calo, um só peito

Meu Deus! exige-me respeito

Por não ter nascido rica

Nem por ter morrido pobre

Mas por ter nas mãos

Mas por ter na alma

Aquela enorme desgraça

De ser Tua

De ser uma

A vagar pelas ruas do Pelourinho

Negra

Apática por ser negra

Simpática

Estatelada com tanta bagunça

Tanto alvoroço

Tanta macumba num só pescoço

Dar-nos Paz, meu Pai

Um pouco mais

Pra dar tempo de tirar um cochilo

Sem que venha ser rasgada por um tiro

Ou acorde viúva ou aleijada por ter perdido

Algum de meus filhos

A parte mais interna de meu infinito

E tenha que agüentar

Sem ao menos um canto negro

O soluçar do meu chorar

A peste negra

O eclipse maldito

Aquele erudito a resmungar

Por ter nascido

E eu que hei de segurar

A triste tarefa de não mais aquecer

Aquele menino

Que um dia peguei no colo

Num simples gesto de amar

Cais da Língua

Ela esperava na esquina o próximo cliente. Na esquina mesmo lembrava-se que ser puta não iria levá-la a lugar nenhum. Nesses momentos de inquietação era quando iniciava sua conversa com Deus, com o pensamento seco dizia a Ele que no pecado era que se sentia verdadeiramente mulher. Não importava mais se disputava homens com travestis, queria era sentir um homem independente da posição, da profissão e da religiosidade. Queria senti-los por todos os buracos, por todas as almas, por Deus! Queria senti-los...



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