
Um jazz não me cala mais a boca
Nem uma dose de cachaça me solta à língua
Mainha disse: vai-te querido
Ainda que triste
Diz que não foi por mal
Nem que seja fatal, essa tal acusação
Diz que não é a pedra surda que rolava
Nem aquela suja, que perambulava
Diz que eu não fui te ajudar
Porque cansada estou
Da vida, das feridas
Da esquina que me faz passar
Pela força de vencer
Seja de dia ou noite
Não quero oferecer
Mandinga pra orixá
Nem comida pro ifá
Não quero me perder
Ainda que venha há morrer um dia
Saiba que fui feliz
Não triste, apesar de fria
Saiba que amei tudo como se fosse um só
Um só calo, um só peito
Meu Deus! exige-me respeito
Por não ter nascido rica
Nem por ter morrido pobre
Mas por ter nas mãos
Mas por ter na alma
Aquela enorme desgraça
De ser Tua
De ser uma
A vagar pelas ruas do Pelourinho
Negra
Apática por ser negra
Simpática
Estatelada com tanta bagunça
Tanto alvoroço
Tanta macumba num só pescoço
Dar-nos Paz, meu Pai
Um pouco mais
Pra dar tempo de tirar um cochilo
Sem que venha ser rasgada por um tiro
Ou acorde viúva ou aleijada por ter perdido
Algum de meus filhos
A parte mais interna de meu infinito
E tenha que agüentar
Sem ao menos um canto negro
O soluçar do meu chorar
A peste negra
O eclipse maldito
Aquele erudito a resmungar
Por ter nascido
E eu que hei de segurar
A triste tarefa de não mais aquecer
Aquele menino
Que um dia peguei no colo
Num simples gesto de amar
Ela esperava na esquina o próximo cliente. Na esquina mesmo lembrava-se que ser puta não iria levá-la a lugar nenhum. Nesses momentos de inquietação era quando iniciava sua conversa com Deus, com o pensamento seco dizia a Ele que no pecado era que se sentia verdadeiramente mulher. Não importava mais se disputava homens com travestis, queria era sentir um homem independente da posição, da profissão e da religiosidade. Queria senti-los por todos os buracos, por todas as almas, por Deus! Queria senti-los...